O Sistema Tributário Nacional, formado por uma infinitude de normas de índole constitucional, legal, infralegal e jurisprudencial, contempla tributos que incidem diretamente sobre o patrimônio do contribuinte. Dentre eles, destaca-se o imposto sobre a transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos inter vivos (ITBI-IV), de competência dos Municípios e que se manifesta quando da realização de uma operação econômica, necessariamente onerosa, que envolva a transmissão de direitos de propriedade sobre um imóvel. Os exemplos mais comuns são a compra e venda, a cessão de direitos, a permuta e a integralização de capital em sociedade.
Imposto sobre transmissão de bens imobiliários (ITBI)
Apesar de sua relevância no quotidiano econômico, o ITBI padece de relativa incerteza jurídica quanto à determinação de sua base de cálculo. O Código Tributário Nacional estabelece que o imposto deve ser calculado sobre o valor venal do imóvel ou direito transmitido, proporcional a uma alíquota que varia entre 2 e 5% a depender da situação. O que se verifica na prática é que as Prefeituras Municipais utilizam o valor venal do IPTU ou ainda criam tabelas de valores de referência, nas quais colacionam os supostos valores venais de todos os imóveis de sua jurisdição de forma unilateral e em patamares superiores ao de mercado. Desta forma, a aplicação da legislação acaba favorecendo a Administração Tributária de forma injusta, pois na hipótese de divergência entre o valor declarado na operação e o valor de referência, a base de cálculo será o maior entre os dois.
Existe a possibilidade de questionamento administrativo desta sistemática por meio de procedimento junto à Prefeitura. No entanto, a incerteza e a necessidade de rapidez nas transações imobiliárias para lavratura do registro acabam por dificultar ou até mesmo impedir os questionamentos. A partir disto, diversas ações tomaram corpo no Judiciário brasileiro e, finalmente, o Superior Tribunal de Justiça deliberou de forma acerca da matéria.
STJ e o Recurso Especial nº 1.937.821/SP
Em decisão publicada em março, e com trânsito em julgado previsto para os próximos meses, o STJ julgou o Tema Repetitivo nº 1.113, no qual foram fixadas três teses principais acerca da base de cálculo do ITBI: i) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; ii) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio; e, iii) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
A decisão do STJ vem justamente reconhecer a ilegalidade da fixação prévia e unilateral de um valor venal de referência. O preço do imóvel negociado entre as partes deve gozar de presunção de veracidade e de boa-fé e ser considerado o que melhor reflete o valor de venda do bem ou direito em condições normais de mercado. O STJ entendeu também que, apesar de o IPTU ter como base de cálculo o valor venal do imóvel, não pode haver integral identidade entre as bases de cálculo. Decidiu-se, inclusive, que o valor venal atribuído pelos Municípios para fins de cálculo do IPTU não deve ser utilizado nem como piso mínimo para cálculo do ITBI, pois a valoração para fins de alienação em condições normais de mercado reflete outros critérios mercadológicos além daqueles avaliados pelos órgãos municipais para definir o valor venal do IPTU.
De acordo com o tribunal, caberá ao contribuinte informar o valor de venda do imóvel ou direito real transmitido a ser utilizado no cálculo do imposto e, caso entenda que o valor declarado é inferior ao que corresponderia ao real valor de venda do imóvel, o Município terá o prazo de cinco anos para proceder à revisão administrativa do valor, por meio da instauração de procedimento próprio que respeite os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Providências possíveis para o futuro
Como já exposto, a pacificação do tema é salutar na medida em que poderá trazer segurança jurídica ao contribuinte e coibir abusos por parte dos Municípios em todo o país. Pontos sensíveis foram elucidados e agora caberá às devidas autoridades se adequarem à nova sistemática concebida pela jurisprudência da corte.
Com a rejeição do último recurso interposto pela Fazenda Pública, o entendimento definido pelo STJ deverá, obrigatoriamente, influir sobre as ações judiciais que versam sobre essa controvérsia e demais casos que futuramente discutam o mesmo assunto, devido ao caráter repetitivo do tema.
Da mesma forma, os contribuintes que pagaram ITBI sobre uma base de cálculo maior do que o efetivo valor da transação nos últimos cinco anos poderão ingressar judicialmente para reaver os valores pagos indevidamente, sendo fundamental a existência de provas concretas que confirmem e validem o valor da transação imobiliária efetivamente praticada.

