DREX e novas perspectivas jurídicas

No dia 7 de agosto de 2023, o Banco Central anunciou que o Real Digital, cujo lançamento está previsto para 2024, passará a se chamar DREX, e compartilhou algumas atualizações quanto aos progressos da moeda ― que está em fase de testes ― até o presente momento.

Tratando-se de uma forma de moeda digital não dissociada da moeda “física” Real, a exemplo de outros CBDC já emitidos no mundo, o DREX não constitui novo criptoativo, porquanto está sujeito às mesmas condições de flutuabilidade que o Real, como as políticas de emissão e reserva de valor exaradas pelo BC. Assim, terá sua “distribuição” intermediada por instituições financeiras, poderá sofrer restrições de circulação, e será necessariamente custodiado por um terceiro ligado à instituição financeira nas transações em que for utilizado.

Ainda, o funcionamento do DREX dar-se-á por meio de sistema blockchain, em que o registro do histórico de transações é representado por conjuntos de dados que, protegidos “em blocos” por criptografia, proporcionam segurança e transparência; a diferença neste tocante para criptomoedas como Bitcoin será de que a plataforma “tipo” blockchain será “fechada” ou “permissionada”, sujeitando-se ao controle do BC em matéria de auditoria de dados.

A despeito de possuir regime de funcionamento próprio e ser sujeito à política monetária nacional, o DREX poderá, como as criptomoedas, representar relevantes avanços no modo como são realizados alguns negócios jurídicos, impactando na realização de contratos e em sua aferição de riscos.

 

Real “em blockchain”, smart contracts e mercado de capitais

A principal característica positiva decorrente do uso de uma moeda digital que utiliza tecnologia blockchain consiste na possibilidade de liquidação instantânea de uma ordem de pagamento, derivada de previsão contida em um smart contract.

No caso do DREX, a opção por um sistema de blockchain submetido a uma autoridade central poderá possibilitar a utilização de sistemas automatizados de ordem de pagamento também oriundos da atuação do Banco Central e sujeitos à sua “fiscalização”, e, portanto, mais seguros se comparados com alternativas de natureza puramente privada.

Na prática, isso significa que, seja por meio de um sistema centralizado, seja por oferta das instituições financeiras aderentes ao DREX, será possibilitado ao usuário final o acesso a plataformas de cadastro e execução de ordens de pagamento com eficácia imediata e registro auditável.

Tal finalidade adquire grande relevância quando, como mencionado, é considerada no contexto da realização de smart contracts.

Essa modalidade contratual pode consistir, em seu formato “de varejo”, em um instrumento eletrônico juridicamente válido pertencente a um sistema de blockchain, cuja interface pode apresentar leitura e assinatura facilitadas, e cuja execução de um ou mais de seus efeitos é realizada automaticamente quando são reconhecidos, pelo sistema, certos “inputs”.

É característico de um smart contract, portanto, ser menos como um “contrato convencional”, e mais como uma aplicação financeira sujeita a execução determinística, e facilmente auditável. Assim, é um contrato cuja eficácia, em seu sentido mais concreto, independe da interferência das partes ou de terceiros, possuindo, portanto, após sua pactuação, “autonomia” na transação dos recursos prevista.

Destarte, o uso do DREX em smart contracts poderá significar, por exemplo, a possibilidade de atrelar ao cumprimento de determinada condição (na forma de sua notícia pelas partes, em caso de obrigação de natureza não pecuniária) uma ordem de pagamento contraposta, providenciando segurança jurídica ao contrato entabulado e diminuindo consideravelmente os custos de transação derivados de seu cálculo de risco. Por se tratar, ainda, do real convencional apenas em forma eletrônica, a previsão de valores não está sujeita à volatilidade das criptomoedas, aspecto que, possivelmente, possibilitará uma facilitação de aproximação do consumidor final a tal modalidade.

Para além da relevância de tal mecanismo opcional para negócios jurídicos bilaterais “comuns” do dia a dia entre particulares, é uma ferramenta que pode se tornar extremamente relevante no contexto do mercado de capitais brasileiro. O recurso frequente, em contextos de aporte de capital em valores mobiliários e transações remuneratórias entre agentes de mercado, às denominadas “contas escrow”, poderá ser substituído pela adesão a smart contracts vinculados à operação. Assim, por exemplo, a vinculação de smart contracts a integralizações de cotas em fundos de investimento, liquidação de títulos lastreados em direitos creditórios diversos, e mesmo, quiçá, influência em eventos de liquidação de fundos.

Tais recursos, que já são utilizados em alguma medida no quotidiano das ofertas de valores mobiliários, poderão adquirir maior relevância ainda, dada a segurança jurídica proporcionada pela moeda digital, e a possibilidade de desvinculação de sistemas e serviços ofertados por terceiros no contexto das operações de mercado de capitais. Poderá, destarte, importar em relevantes consequências para prestadores de serviço especializados na custódia de valores mobiliários ou em seu depósito, bem como impactar de maneira inegavelmente positiva na real aferição de risco de ofertas públicas.

Assim, a título exemplificativo, o fator de risco de investimento em um fundo de compra de ativos “em DREX” será consideravelmente minorado, haja vista a certeza executiva dos títulos de lastro; será, a título especulativo, uma realidade mais premente para valores mobiliários relacionados a arranjos de pagamento, mas poderá se expandir também para títulos “comuns”, seja por sua não-cartularidade ou por seu adimplemento estar condicionado à validação de fatores de um smart contract.

Não é difícil imaginar, por exemplo, a utilização futura do DREX em contextos de FIDC e FII em casos de “tokenização” dos títulos, realidade que será, certa e prontamente, acompanhada de iniciativas normativas por parte da CVM e do BC.

 

“Mas nem tudo é um mar de rosas”

Naturalmente, o advento do DREX dá margem a incertezas por parte dos particulares.

A real possibilidade, como observado em outros países, de paulatina substituição do papel-moeda pela moeda digital traz consequências relevantes em matéria de planejamento tributário, para além de possibilitar especulações quanto ao efetivo sigilo dos dados relativos às transações realizadas.

O BC tem, reiteradamente, afirmado seu compromisso com as normas relativas à proteção de dados, especialmente no contexto do DREX. Não se pode descurar, porém, do fato de que o sistema em blockchain, mesmo sendo essencialmente seguro contra invasões de terceiros, submeter-se-á a uma autoridade custodiante, que terá plena capacidade de auditar as transações. Para além de especulações de índole política acerca da viabilização de tal recurso, indaga-se até que ponto a quebra de sigilo bancário de particulares será utilizada no contexto do DREX, ainda mais tendo em vista tendências jurisprudenciais quanto à questão.

Ainda, é de se questionar se, para além de estar sujeito a pressões políticas, o advento do real digital não poderá ocasionar “formas inovadoras” de ocultação patrimonial e fraude. Este deverá ser, certamente, um ponto de atenção normativa dos órgãos regulatórios.

 

Conclusão 

Como visto, o advento do DREX ocasionará relevantes mudanças nas transações nacionais, seja no quotidiano civil, seja em nichos especializados de mercado. Contribuindo para a descentralização do sistema financeiro, poderá ocasionar diminuição dos riscos de transação em negócios jurídicos e maior transparência a investidores e agentes de mercado. Apresenta, porém, relevantes desafios normativos no tocante à sua implementação.

É dever do mercado e do ente particular, portanto, permanecer atento e dinamizar-se com vistas a contemplar, em sua atividade comercial, as relevantes mudanças que serão trazidas pelo DREX. Nesse sentido, é recomendável o recurso a uma assessoria jurídica especializada com o fim de dirimir dúvidas e preparar planos de ação para as novas realidades normativas que acompanharão a iniciativa.

Enzo Rocha Magri

Bacharel e doutorando em direito civil pela Universidade de São Paulo – USP. Possui experiência em demandas consultivas e contenciosas envolvendo responsabilidade civil contratual e extracontratual, direito societário, contratos empresariais, mercado de capitais e direito bancário. Sua área de pesquisa e especialidade é a responsabilidade civil, especialmente a relativa aos danos materiais e morais.