O imposto de renda das pessoas físicas, também conhecido pela sua sigla (IRPF), é o tributo mais conhecido e divulgado do ordenamento jurídico brasileiro. Independentemente da área em que se desenvolvam as nossas atividades, todo ano somos chamados a prestar contas com a Receita Federal, popularmente conhecida como o “leão”.
O IRPF está previsto, no modelo constitucional de distribuição de competências, como tributo a cargo da União. Como o próprio nome indica, incide sobre a renda de um indivíduo pessoa física, conceito de intrincada natureza jurídica, mas que pode ser materializado como o produto final de um acerto de contas entre as receitas auferidas e as despesas legalmente admitidas, como saúde, por exemplo. Renda pressupõe, mesmo que de forma mitigada pela legislação, dialeticidade financeira e acréscimo patrimonial.
Dispõe o Código Tributário Nacional que as rendas e proventos de qualquer natureza estão sujeitos ao referido imposto, pois são capazes de revelar imediatamente a capacidade econômica do contribuinte e, portanto, sua possibilidade de contribuir com os custos gerais da vida em sociedade e da manutenção do Estado.
Instituído há exatos 100 anos no Brasil, o IRPF carrega consigo traços típicos de nosso sistema tributário e foi responsável por uma vasta produção acadêmica e jurisprudencial ao longo das décadas.
O presente artigo se propõe a apresentar algumas particularidades discutidas sobre o tema, sobretudo no âmbito dos tribunais superiores, a fim de instigar o leitor a se interessar por um tema tão caro no horizonte jurídico nacional, sobretudo porque envolve recursos de todos nós.
Superior Tribunal de Justiça
A primeira questão de maior afinco se volta ao campo de incidência do tributo, ou seja, a delimitação de sua base de cálculo, para saber o que pode e o que não pode ser entendido como renda. Indiscutivelmente, as verbas oriundas de indenizações não se sujeitam ao IR, uma vez que recompõem o patrimônio lesado do indivíduo. Nesse sentido, os verbetes nº 125, 136, 215 e 498 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consagram a não sujeição ao imposto dos valores recebidos a título de férias ou licença-prêmio indenizadas, ou não gozadas, bem como indenização por adesão a programa de demissão voluntária ou qualquer indenização por danos morais.
A segunda questão versa sobre a legitimidade passiva em ações de restituição do tributo. Por uma regra constitucional de repartição de receitas financeiras, os entes federados recebem a totalidade do produto arrecadado com o IRPF pago pelos seus servidores retidos na fonte quando do pagamento mensal. Com base nisso, o STJ editou o verbete nº 447 de sua Súmula, definindo a legitimidade dos Estados e do Distrito Federal (e dos Municípios, por interpretação lógico-extensiva) nas ações de repetição de indébito. Note que a competência não deixa de ser da União, mas já que os recursos se aderem de forma definitiva aos orçamentos subnacionais, cabe aos entes restituírem os valores pagos indevidamente pelo contribuinte.
Passando à análise das hipóteses de isenção do imposto, é cediço no Ordenamento que certas moléstias impõem gravames consideráveis a seus portadores, sobretudo materiais, e que justificam a desoneração de seus patrimônios, uma vez que deixam de manifestar capacidade contributiva. Nesse sentido, a lei nº 7.713/98 estabeleceu uma série de doenças graves capazes de afastar a incidência tributária e com isso, o STJ foi chamado a se manifestar. Nos verbetes nº 598 e 627, estabeleceu-se a desnecessidade de apresentação de laudo médico oficial para reconhecimento da condição de enfermidade perante a Justiça, apesar de continuar sendo exigido para pedidos administrativos, bem como da extemporaneidade dos sintomas da doença e da recidiva não serem impeditivos ao gozo da isenção.
Supremo Tribunal Federal
Passando à corte suprema (STF), o último triênio foi fértil em decisões paradigmáticas. A começar pela mais recente, proferida na ADI nº 5.422, em que foi considerada inconstitucional a incidência do imposto de renda sobre valores percebidos pelo alimentado a título de alimentos ou pensão alimentícia no âmbito do Direito de Família. O Frederico & Magri Advogados conta com artigo justamente sobre esta decisão, ao qual se remete para que se evitem repetições.
Passando adiante, mesmo que se faça referência ao IR das pessoas jurídicas, é imperioso adequar a lógica às pessoas físicas. O STF, em sede de controle difuso de constitucionalidade, no RE nº 1.063.187/SC, afastou da base de cálculo do tributo os valores relativos à taxa SELIC recebidos pelo contribuinte na repetição de indébito tributário. Da mesma forma, não deve incidir IR sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função, segundo o RE nº 855.091/RS. Ambos os julgados contemplam situações em que o contribuinte recebe valores a destempo, acrescidos dos devidos encargos legais. Nesses casos, não há de se falar em imposto de renda sobre juros, devido a sua natureza indenizatória e a não ocorrência de acréscimo patrimonial.
Por fim, e novamente no que tange às deduções, a Corte entendeu em sede da ADI nº 5.583, que a pessoa com deficiência que supere o limite etário e seja capacitada para o trabalho pode ser considerada como dependente quando a sua remuneração não exceder as deduções autorizadas por lei. Ocorre que as pessoas com deficiência normalmente recebem uma menor remuneração pelo trabalho e, se fossem tiradas da condição de dependentes, passariam a declarar rendimentos isoladamente e ainda seria impedida de descontar a maior parte das despesas médicas. Dessa forma, haveria afronta ao princípio da capacidade contributiva e ao conceito constitucional de renda. Portanto, o Supremo definiu que, quando a remuneração da pessoa com deficiência não exceder as deduções autorizadas em lei, esta pode ser considerada dependente para apuração do IR.
O IRPF é pauta certa de discussão nos tribunais superiores praticamente todo ano e podemos esperar novidades para o futuro.
Novidades para 2023
Apenas a título de curiosidade procedimental, deixamos registradas algumas características para a declaração do imposto de renda da pessoa física (DIRPF) deste ano:
- A DIRPF pré-preenchida dará prioridade na restituição de valores, que poderá ser recebida via PIX;
- Todo e qualquer valor recebido a título de pensão alimentícia poderá ser declarado como rendimentos isentos;
- Facilidade na autorização de acesso da DIRPF, para que um profissional contábil ou jurídico possa proceder à declaração ou revisar a já feita;
- Neste ano, os investidores na Bolsa só precisam informar operações na declaração se tiverem negociado mais de R$ 40 mil, ou se tiveram lucro com pelo menos uma venda em 2022;
- Maior facilidade para declarar automaticamente as operações com criptoativos.
Por fim, é fundamental que uma instituição nacional como o imposto de renda seja devidamente debatida e conhecida pelos seus contribuintes. Neste tocante, questões extremamente complexas a ele relativas requerem a atuação de profissionais habilitados.
Em 31 de maio se encerrará mais um capítulo desta história.

