Factoring – riscos e precauções jurídicas

O processo de fomento mercantil – ou factoring – consiste basicamente na antecipação de recebíveis de uma empresa (faturizada ou cedente), quando da cessão de tais títulos para uma outra empresa, instituição financeira (faturizadora, ou cessionária). Evidentemente, a cessionária antecipa os recebíveis com deságio, ou seja, em valor menor ao valor total do título; tal deságio é calculado levando-se em conta o risco previsto de inadimplemento do crédito, bem como padrões de mercado relativos ao lucro das empresas do mesmo ramo. Quando o processo de cessão de recebíveis envolve a emissão de valores mobiliários lastreados em tais títulos e sua negociação no mercado de capitais, a operação é também chamada de securitização de créditos.

Tal procedimento permite à empresa faturizada a obtenção de fluxo de caixa imediato, mesmo que com deságio, bem como a transferência dos riscos de cobrança de seus títulos cedidos (“securitizando”, assim, créditos futuros). Ele pode ser, no entanto, fonte de inúmeros riscos para a empresa cedente, e mais de uma faturizada já foi constrita a declarar falência em virtude de suas relações com empresas de factoring. Tais riscos, muito embora sejam mais presentes em operações de fomento mercantil simples do que em procedimentos complexos de securitização, podem também abranger essa última categoria.

Conheça alguns dos riscos, tanto inerentes ao contrato, quanto derivados de arranjos negociais prejudiciais às empresas cedentes, e quais são as prevenções e possíveis soluções para problemas advindos dessa relação jurídica.

 

Riscos e cuidados

O contrato de factoring é espécie atípica no ordenamento jurídico brasileiro, isso significa dizer que não se trata de um contrato com forma e conteúdo previstos em lei, muito embora ele deva se pautar por diretivas legais específicas. Uma destas limitações expressas do ordenamento, consignada na Lei nº 9.249/95 e, a depender do caso, no art. 296 do Código Civil, diz respeito à assunção por parte da faturizadora dos riscos relativos à cobrança dos títulos adquiridos. De acordo com a lei, a empresa cedente responsabiliza-se, via de regra, apenas e tão somente pela existência e validade do título cedido, e não por sua liquidez; isso faz com que o dever de cobrança e eventual prejuízo pelo inadimplemento absoluto do título recaiam sobre a empresa faturizadora.

Em casos de securitização, uma vez que os títulos cedidos servem de lastro aos valores mobiliários emitidos pela securitizadora (ou fundo ou outro veículo criado para essa emissão), é necessário que tal compreensão básica esteja presente nos investidores, uma vez que eventual má-gestão dos títulos adquiridos implicará no risco inerente ao valor mobiliário negociado. Ao mesmo tempo, o investidor deve se atentar para o fato de que o cedente originário é responsável pela existência dos títulos de lastro, evitando o investimento em valores mobiliários lastreados em títulos eventualmente “frios” ou eivados por fraude.

Relativamente a essa assunção de responsabilidade pela cessionária, algumas empresas de fomento mercantil procuram contorná-la nos contratos que pactuam: isso é feito na maioria das vezes por meio das cláusulas de recompra e reconstituição de dívida. Em termos gerais, são previsões contratuais que estipulam que, em caso de iliquidez dos títulos cedidos, estes serão objeto de “recompra automática” por parte da instituição cedente; isso significaria que não apenas a empresa faturizada seria responsável novamente pela cobrança e exigibilidade dos títulos, mas também que estaria, frente à factoring, inadimplente no que toca ao valor antecipado (existente agora sob o título de valor de recompra do recebível). Assim, é um duplo encargo superveniente para a cedente.

Tal situação lesiva pode ser agravada em caso de falta de diligência com a cobrança dos créditos cedidos. Em operações de securitização de maior porte, a contratação de um agente de cobrança externo é medida mercadológica de praxe, mas em operações de factoring sem emissão de valores mobiliários, não é o caso. Pode ocorrer, nesse sentido, de a empresa faturizadora praticar espécie de “estrangulamento negocial” da faturizada, faltando com a diligência necessária na cobrança de títulos cedidos já vencidos, para então reconstituir dívida (com taxa de juros alta) com a empresa cedente. Tal mecanismo revela-se, para além de predatório relativamente ao fluxo de caixa e constituição de dívidas por parte da cedente, desafeito à função primordial do contrato de fomento mercantil, uma vez que, na prática, faz com que os riscos inerentes à cobrança dos títulos sejam arcados por uma empresa que não mais os deteria, e submete a recompra a valores muitas vezes abusivos (por incidência de encargos adicionais relativos à iliquidez dos títulos).

Adicionalmente, as partes devem estar cientes de riscos propriamente negociais da operação de factoring. Uma tendência comum, por exemplo, é a de diminuição na diversificação de credores por parte da cedente, uma vez que conta com a “segurança” da antecipação de seus recebíveis; tal cenário pode, para além de causar impactos de liquidez, ocasionar flutuações em eventuais valores mobiliários lastreados em tais títulos.

Outro risco eventual para a empresa faturizada é a inadimplência reiterada da factoring: isso ocorre geralmente em arranjos contratuais de “cessão em bloco” de recebíveis, por meio de aditivos contratuais automatizados. Em certos casos, prevê-se que todos os títulos futuros que seriam detidos pela cedente sejam cedidos automaticamente à factoring. Mas se a empresa de fomento mercantil desonrar de forma contumaz sua obrigação de antecipá-los, ou se o fizer em relação a bloco de recebíveis de valor relevante, isso poderá ocasionar à faturizada graves problemas de caixa.

Em todos esses casos, é necessário apontar para o fato de que, negocialmente, muitas vezes a faturizada se vê constrita a aceitar cláusulas abusivas ou tolerar inadimplemento por parte da faturizadora ou securitizadora em virtude de necessitar com urgência da antecipação. Devendo honrar suas obrigações com fornecedores e, de forma geral, adiantar insumos, muitas vezes a empresa faturizada não terá a possibilidade de manter em sua carteira títulos com vencimento a prazo, dependendo, portanto, da antecipação proporcionada pelo fomento mercantil. Naturalmente, essa situação acaba por transferir força negocial à factoring, e pode ocasionar uma espiral de débitos de complexa recuperação.

 

Possíveis soluções e conclusões

Relativamente ao acima narrado, tem-se observado movimento jurisprudencial no sentido de coibir abusos contratuais praticados pelas empresas de factoring, resguardando a função originária do contrato e procurando evitar o endividamento “sem retorno” da empresa faturizada. A solução judicial, porém, embora existente e apresentando perspectivas cada vez mais otimistas para as empresas faturizadas, deve ser considerada sempre como “última opção”; isso porque, na maioria das vezes, a ação judicial relativa a abusos contratuais e lesões relacionadas à factoring tramitará enquanto a empresa faturizada estiver em situação comercial de prejuízo, com baixo grau de reversibilidade.

Por isso, é indubitável que a melhor solução é a precaução: os contratos de fomento mercantil são instrumentos complexos e que podem trazer impactos severos sobre os balanços de uma empresa que considera o uso de tal mecanismo. É necessário que todos os aspectos eventuais do negócio sejam ventilados entre as partes, e que se cuide para que o instrumento contratual principal não contenha cláusulas que possam se mostrar lesivas em um contexto futuro.

Dessa forma, é imprescindível que sejam consultados profissionais especializados e capazes, tanto para a averiguação de riscos contidos no contrato, quanto para eventual demanda judicial que vise à correção do desequilíbrio negocial superveniente. Nesse sentido, o Frederico & Magri Advogados está à disposição para solucionar dúvidas relativas à factoring e auxiliar em todos os procedimentos contratuais e contenciosos relativos ao fomento mercantil.

Enzo Rocha Magri

Bacharel e doutorando em direito civil pela Universidade de São Paulo – USP. Possui experiência em demandas consultivas e contenciosas envolvendo responsabilidade civil contratual e extracontratual, direito societário, contratos empresariais, mercado de capitais e direito bancário. Sua área de pesquisa e especialidade é a responsabilidade civil, especialmente a relativa aos danos materiais e morais.