O processo de privatização da Eletrobras causou especulação em setores do mercado acerca de suas possíveis consequências. Um dos segmentos mais aquecidos em relação a esse fato foi o mercado livre de energia elétrica, com a apresentação de novas perspectivas tanto para geradores, quanto para comercializadores e consumidores. Não apenas a disponibilidade de parte relevante da oferta de energia por parte da Eletrobrás será capaz de causar flutuações sensíveis no preço da energia elétrica, mas também a expansão da contratação de outros fornecedores (além de concessionários anteriores) por consumidores.
Tais possibilidades, dentre outras, advêm da edição da Portaria nº 690, que passou por Consulta Pública, ofertada pelo Ministério de Minas e Energia. Neste artigo, serão expostas algumas possíveis perspectivas futuras para o setor, considerando os efeitos da privatização da Eletrobrás e a expansão da possibilidade de oferta pelo mercado livre de energia.
Portaria nº 690 e regulação
Referida minuta de portaria disciplina, em linhas gerais, a possibilidade de oferta de energia elétrica por meio de agentes do mercado livre a consumidores finais de baixa tensão, desde que aqueles sejam pertencentes ao Sistema Interligado Nacional. Também, embora deixe claro seu escopo de ampliação da concorrência no contexto do mercado livre de energia, exclui os consumidores residenciais e rurais de sua aplicação a partir de 1 de janeiro de 2026; restringe sua aplicação, portanto, àqueles consumidores pertencentes ao denominado “Grupo A”. Os outros consumidores, de acordo com o cronograma proposto, poderão realizar a migração a partir de 2028.
No contexto da consulta pública realizada, os agentes do mercado manifestaram-se no sentido de concordância com o cronograma para implementação das alterações propostas pela portaria, nos prazos acima referidos. Tal hiato temporal representará, considerando-se especialmente a lacuna de dois anos entre consumidores do Grupo A e os demais, oportunidade para que se supra a ausência regulatória representada por tal possibilidade de abertura do mercado.
Um dos efeitos, por exemplo, que já começa a ser manifestado em relação a tal vácuo normativo, é o aquecimento por parte das comercializadoras da oferta de créditos de energia elétrica, oriundos ou não do Mecanismo de Venda de Excedentes. Tais créditos, representativos do excedente produtivo de fornecedores, poderão, especula-se, ser comercializados aos setores que ainda contariam com oferta única das concessionárias, ou seja, os setores rural e residencial. Tal suposta possibilidade, porém, deverá ser objeto de regulação nos próximos anos, acompanhando-se as tendências de abertura do mercado.
Um aspecto relevante, que também deverá ser objeto de regulação, será o regime de funcionamento de descontratação de fornecedoras por parte de setores cuja modalidade é ainda exclusiva; reiterando-se o escopo de acentuação concorrencial do mercado, espera-se do setor regulatório uma posição com vistas a evitar burocracias desnecessárias e facilitar o acesso de tais parcelas de consumidores ao mercado livre.
Para os consumidores
Atualmente, a parcela de energia negociada diretamente com consumidores finais ocupa parcela ainda pequena; a tendência é observar aumento na oferta, impulsionando especialmente os intermediários entre fornecedores e consumidores. Não apenas participará dessa agregação de oferta a própria Eletrobrás, mas também usinas que terão a oportunidade de diversificar sua carteira de clientes e eliminar a dependência de distribuição de energia às concessionárias; essa é uma realidade potencialmente relevante, também, relativamente ao consumo de energia elétrica para uso residencial.
Para os consumidores, o mercado de energia livre tem tradicionalmente representado, nas ocasiões em que está inserido e possui permissão de atuar, uma grande ferramenta de dinamicidade na contratação de energia elétrica; isso por possuir uma capacidade intrínseca de se adaptar às necessidades específicas daquele consumidor, como consumo mínimo e máximo, horários e propiciação de créditos de energia. Com a nova portaria, espera-se a expansão não somente da abrangência de mercado do setor, mas também a flexibilização das próprias possibilidades de oferta.
Ainda, a dilação da responsabilidade de fornecedoras de energia elétrica ao varejo representará proteção adicional aos consumidores, sendo medida que visa a garantir segurança energética. Um exemplo disto é a criação da figura do agente varejista, responsável pela garantia de tal intermediação.
Conclusões
Frisa-se que a portaria poderá ser alvo de alterações até sua edição final, tendo sido a consulta pública referente encerrada no mês de novembro de 2022. Em um contexto de aquecimento do mercado livre de energia, tanto comercializadoras quanto consumidores deverão ficar atentos à futura regulamentação para que não pactuem, de antemão, contratos que poderão ser alvo de proibição regulatória ou sanções futuras. Nesta seara, indispensável o auxílio de um corpo jurídico especializado.

